Depois de uma entrada fascinante nos Picos de Europa pelo Pico Gilbo, seguimos para a Cantábria em busca de mais experiências fabulosas. Para o primeiro dia estava destinado este percurso, porventura um dos mais famosos. Agora, entre o sossego de grandes recordações, achamos que a dificuldade em descrever as nossas vivências por lá são tão grandes e belas e como aquelas montanhas. Persiste a sensação de que tudo o que se possa dizer pareça pouco. Ainda assim, aqui ficam estas palavras, à espera e com a esperança que o tempo as possa apurar.
A Ruta del Cares é um percurso linear com cerca de 12 km, entre as localidades de Poncebos e Cain, aberto literalmente nas encostas e escarpas rochosas do rio Cares. O percurso foi criado para acompanhar a construção de um canal de água de aproveitamento hidroelétrico. Antes de mais importa agradecer às pessoas que ali trabalharam e criaram uma grande obra de engenharia. Sendo um percurso linear, e como a viagem por estrada é grande, a distância total da caminhada passa então para os 24 km. Com cerca de 700 metros de desnível, o trilho apresenta uma subida mais acentuada no início, mas depois vai-se tornando plano. Pelo terreno irregular e pela distância é importante selecionar um bom calçado. Como o percurso é bastante concorrido e os lugares de estacionamento não são muitos, ir um pouco mais cedo pode fazer a diferença entre começar próximo do início ou acrescentar mais alguns quilómetros à contagem.
Ao chegarmos ao estacionamento, em Poncebos, e depois de nos certificámos que tínhamos tudo o que precisaríamos para a viagem, carregados de expetativas, fizemo-nos ao caminho. À nossa volta, os picos erguiam-se, senhores de toda a vida que por ali passa. Percebe-se porque os cristãos tenham encontrado aqui o seu último refúgio de liberdade na antiga Hispânia contra o avanço muçulmano. Vencida a subida inicial chegamos ao grande anfiteatro do Cares que se estendia a montante. As encostas tornaram-se ainda maiores e escarpadas e no horizonte montanhoso era percetível o trilho escarpado. Mais à frente, o percurso fura pelas paredes verticais, acompanhando o canal e o rio.
Um pouco antes de chegarmos a Cain decidimos apimentar a aventura e descemos ao rio com o intuito de subirmos ao planalto na outra margem. Durante a descida vislumbrámos, lá em baixo, a pequena ponte sobre um azul intenso, que corria desfiladeiro abaixo, capaz de fazer inveja ao céu. Facilmente percebemos por onde deveríamos descer para ter acesso ao rio e seguimos pelo trilho, que desce a encosta em ziguezagues constantes. Sabíamos de antemão que a água estaria fria, mas não esperávamos que fosse a mais gelada.
Iniciámos de seguida a subida Cares Xtrem até ao prado altivo da outra margem. E se a descer todos os santos ajudam, a subida fez jus ao nome da experiência. A ascensão foi realizada em ziguezagues constantes de uma verticalidade respeitável. A dado momento fomos por um atalho que nos dificultou ainda mais a subida, junto à parede da fraga. Ao chegarmos ao prado tivemos uma enorme sensação de pequenez. É impressionante a quanto estas montanhas nos reduzem! Descemos depois até aos escombros de uma cabana, onde completámos a descoberta. Ali, entre dois burros que pastavam, alheios a tudo, fizemos o registo da nossa passagem pelo local. Não será fácil encontrar outra paisagem tão grandiosa para escrever alguns rabiscos, por certo insignificantes quando comparados com o cenário.
Na descida descortinámos o trilho que deveríamos ter seguido na subida e o cruzamento do engano. Criámos por lá uma mariola, para que outros não tenham o mesmo imprevisto. Passámos pela ponte em ritmo acelerado e, depois da subida da encosta na outra margem, reencontrámos a Ruta del Cares. Retomámos a rota e passámos pelos sucessivos túneis e pontes até chegarmos à repesa de Cain, que marcou o meio da nossa aventura. Ao chegarmos, fomos de imediato até à ponte mais acima e passámos para a outra margem, onde aproveitámos para descansar e almoçar. Fomos depois revisitar a repesa e, depois de um café, encetámos a viagem de regresso, revivendo as paisagens maravilhosas de um dos percursos mais majestosos que se pode fazer.
Artigo publicado em cruzilhadas.pt