Num dia de liberdade pela montanha, longa e solitária caminhada com início em Fafião, passagens por Porto da Laje, Porta Ruivas, Prados da Messe, Rocalva, Bicos Altos, Ponte da Matança e regresso a Fafião, num total de 32 km (percurso). Para além do habitual fascínio geresiano, gostei de terminar bem e num bom ritmo. Cada regresso à Serra do Gerês é uma oportunidade de reencontro com uma essência secular de resiliência e equilíbrio natural. Nos dias que correm, para quem se aventura à sua descoberta, pode servir também de psicólogo, promotor de uma certa harmonia pessoal e refúgio dos ritos da vida moderna.
Manhã cedo, cheguei a Fafião e estacionei junto à estrada principal. Com tudo preparado, iniciei a caminhada pelas ruas intrincadas em direção ao famoso Fojo do Lobo, que aproveitei para revisitar. Subi depois em direção ao Miradouro de Fafião. Desconhecia a sua existência, pelo que foi uma excelente surpresa quando encarei os dois enormes penedos no topo da encosta com uma ponte entre eles. A travessia faz-se sem problemas e, embora as vistas sejam semelhantes, é mais reconfortante para o sentido de aventura pisar o topo do rochedo que se ergue na paisagem do outro lado do desafio.
O percurso subiu depois a encosta, alternando entre caminhos largos e trilhos. À medida que a altitude aumentou, a paisagem foi-se tornando mais despida de arvoredo. O caminho acessível a veículos terminou num parque de merendas no planalto serrano, com boas vistas para o vale. O abrigo assemelha-se a uma casa dos Flintstones, ideal para um dia com sabor a montanha e a benesse da acessibilidade. A partir dali o percurso prosseguiu pelo trilho de pastoreio que deambula a meia-encosta sobre o rio Fafião. Pouco depois, tive a primeira visão inteira do desafio da subida das Sombrosas. Tinha passado ali há cerca de oito anos, vindo de uma pernoita memorável na Rocalva. Apanhei a promessa de um regresso que ali tinha deixado e continuei em modo acelerado pelo trilho, que em algumas partes fica um pouco mais vertiginoso e desafiante. Um pouco mais à frente considerei uma descida às lagoas cristalinas, mas acabei por desistir da ideia pela longa caminhada que tinha pela frente.
Na chegada ao Porto da Lage, junto à represa, passei por uma manada de vacas e prossegui para o encantador Prado da Touça, onde reencontrei o típico abrigo. O local parece reduzir-nos ainda mais à nossa pequenez, assoberbados pelos grandes vales da Touça e do Laço. Passando pelas cascatas e lagoas idílicas, iniciei a exigente subida para o topo das Sombrosas. Leve e ligeiro, acabei por ter menos dificuldades do que a memória afiançava. Os patamares sucederam-se naturalmente e a visão sobre os vales limítrofes ganhou mais amplitude. Alcançado o primeiro pico, tentei aproximar o percurso ao lado mais exposto, sobreposto ao Vale da Touça, mas a irregularidade do terreno dificulta a progressão. Após vários atalhos e experiências, consegui aceder à vertente que me levaria ao topo da Porta Ruivas (ou Roibas, como assinalado da placa do abrigo do prado homónimo). Lá em cima, aproveitei para fazer a paragem de almoço, abrigado do vento.
Ao descer do maciço rochoso passei pelo prado e acelerei depois em modo corrida pelo planalto. Apanhei posteriormente o trilho que vem desde a zona das Minas dos Carris e prossegui em direção aos Prados da Messe. O prado principal parecia ter sido recentemente alvo de um incêndio controlado para renovação das pastagens. Após uma breve vistoria às boas condições do abrigo, aproveitei para abastecer de água e continuei em ritmo de corrida pelo planalto serrado. Após a passagem pelo Prado do Conho, pontuado pelo enorme penedo vertical, decidi fazer um pequeno desvio, seguindo no trilho do Prado do Vidoal e até à Lomba de Pau, de onde tive uma visão alargada dos dois lados da serra. Um vento frio seguia de cume em cume, assobiando conselhos por trilhos mais protegidos.
Contrariando a vontade de seguir em linha reta até ao próximo objetivo, desci até à encruzilhada e prossegui em direção ao Prado da Rocalva. Não existirá monólito nesta serra mais caraterístico e emblemático, pelo que é sempre um prazer ver surgir este gigante granítico. Ficou, mais uma vez, a promessa de subir ao seu topo, após uma tentativa insípida há alguns anos. Este prado, tal como os outros, ainda estava bastante verdinho, criando contrastes interessantes nas fotos. À chegada ao abrigo encontrei as únicas pessoas que vi nesta caminhada (não contando com a aldeia), que iriam pernoitar na montanha. Após uma breve e agradável conversa de partilha de interesses, retomei a corrida em direção ao Prado Vidoeirinho. O Estreito do Laço apareceu logo depois, abençoado com as mesmas visões de quase sempre para o profundo Vale do Laço e a parte superior do Vale do Conho.
Continuando pelo planalto, deixei os acessos aos vales para trás, e prossegui pelo trilho em frente. Aproveitei depois um desvio para aceder a um pico com boa vista para as duas rocas e fiz mais uma paragem no abrigo Pradolã. Na descida posterior aproximei-me da encosta sobreposta ao prado e abrigos dos Bicos Altos e não consegui resistir a mais um desvio, por onde nunca tinha passado. Retomando a corrida, fui apanhar o trilho mais à frente e iniciei a descida para a Ponte da Matança. Como o trilho parece ser pouco usado e as encruzilhadas são muitas, foi necessário validar com frequência o percurso desenhado no plano para garantir que estava no caminho certo.
Várias decisões e curvas depois, consegui chegar à Ponte da Matança, atravessei o rio e iniciei a subida para Fafião. Junto ao rio, tudo ganhou ainda mais grandiosidade, desde a vegetação e a diversidade até às paredes graníticas verticais. O trilho furou pelos túneis do arvoredo, circundando os penedos da encosta ingrime. Não demorei muito tempo a chegar à bifurcação por onde tinha passado de manhã e prossegui em corrida para a aldeia, fazendo mais duas breves paragens no miradouro e no fojo. Para trás tinham ficado cerca de 32 km, já reduzidos de alguns desvios, e 11 horas de silêncio e solitude na montanha.
Artigo publicado em cruzilhadas.pt