18de Fevereiro,2025

Geopt.org - Portugal Geocaching and Adventure Portal

17 August 2016 Written by  Ricardo Ribeiro

Momentos: Uma Noite no Comboio

Estavam quase a terminar os dias da Ucrânia. Era hora de dizer adeus a Sevastopol e dirigir-me para Odessa, última paragem no longo périplo pelo segundo maior país da Europa. E o comboio era a única possibilidade viável. O meu anfitrião Nick conduziu-me à estação, comprou-me o bilhete desejado – 7 Eur por uma viagem de 600 km que levaria parte da tarde e toda a noite. Depois deixou-me no centro da cidade e foi trabalhar. Ainda vagueei um pouco por ali, aproveitando o primeiro dia de sol desde há bastante tempo. Fazia-se tempo. Apanhei o autocarro para Simferapol e, uma vez lá chegado, encontrei-o sem problemas. Lá estava ele, aquele comboio pintado com as cores nacionais: azul e amarelo.

De cada carruagem assomava uma “revisora”. Os comboios têm uma responsável por vagão, uma espécie de hospedeiras com toques de matrona. Mostro o meu bilhete à primeira que apanho. Sim, estou correcto, é mesmo ali, posso entrar. Ainda era cedo e lá dentro não se via vivalma. Faltavam cerca de 45 minutos para a partida. Instalo-me, com toda a calma do mundo. Inspeciono o interior da carruagem e o meu cantinho. Suspenso, por cima do banco, existe uma “cama” que se recolhe, transformando o conjunto numa espécie de beliche quando está estendida. Ainda mais acima, estão jogos de lençois e almofadas, devidamente selados. O banco, por outro lado, é uma espécie de arca que se abre para receber o que quer que queiramos guardar. Ou seja, depois de estarmos a dormir é mais ou menos impossível que os amigos do alheio deitem mão aos nossos pertences.

Aproxima-se a hora da partida. As pessoas vão chegando a um ritmo cada vez mais elevado. E aparecem os meus companheiros de viagem. Um casal novo com um homem mais velho, aparentando uns 60 anos mas provavelmente não tendo ainda 50. Sentam-se e logo vão pondo a mesa: um frango assado, garrafa de vodka, garrafa de refrigerante e uma série de latas de cerveja fresca. Terminados os procedimentos, fazem-me sinal para me servir, o que declino com um sorriso e baixar de cabeça. Ainda a composição não se tinha posto em marcha e do frango já só restava a carcaça.

Soa um apito. As rodas chiam, protestando com o esforço a que são sujeitas naquela tarde preguiçosa de final de Maio. E lá vamos nós! Primeiro, com o sol a prepar-se para a noite, as paisagens de terras ucranianas desfilam pela janela. Bonito! Lindo! Com as cores cada vez mais quentes, até se tornar tudo num laranja que anuncia o pôr-do-sol. A noite chega. Vou lendo algo no meu Kindle, enquanto a vizinhança segue sorrindo e fazendo piada de tudo, deitando abaixo vodka e latas de cerveja como se não houvesse amanhã. O mais velho abre a sua tábua elevada, trepa lá para cima e retira-se para o mundo dos sonhos. Mas a festa continua no rés-do-chão. Reparo que apesar das cervejas iniciais há muito terem sido consumidas, continuam a aparecer mais latas em cima da mesa. Um outro casal jovem junta-se aos meus vizinhos. Já se trocam sorrisos. É preciso estabelecer contacto, mesmo sem uma língua em comum. Por gestos pergunto como é que é aquele milagre das cervejas frescas que se multiplicam. E por gestos explicam-me que se compram lá ao fundo, no gabinete da revisora. Maravilha! Cada vez gosto mais da Ucrânia!

Vou até lá, peço duas latas e pago menos de um Euro. A noite promete. Regresso ao meu lugar, e como o alcóol solta inibições e torna toda a gente em multi-linguista, os meus novos amigos já sabem falar inglês, e vamos conversando sobre generalidades. O futebol é sempre um tema vivo, e naquela noite, a duas semanas do início do Europeu na Ucrânia, ainda mais. As cervejas continuam a vir, e a conversa a fluir. O mais velho ressona. Outros passageiros já se instalaram para dormir. Aparece-me um tipo que procura “o português”. Chama-me à parte e, tão ébrio como eu próprio, vai-me confidenciando que estou ali com gente que não presta. Convida-me a tomar uma cerveja com ele lá fora, num dos átrios de entrada da carruagem. É todo adepto de bola. O que ele quer mesmo é deixar claro que a seguir à Ucrânia o seu coração estará sempre com a Selecção de Portugal. Ora diz isso, ora sublinha que lá dentro estou em má companhia. E bebemos mais duas latas. Passam por nós duas jovens, digamos, menos bem todas pela natureza; e tornam a passar. O meu amigo confidencia-me: “- O que estas querem, sei eu: sexo!”. E, no meio da sua alucinação, é capaz de não estar longe da verdade. Aborreco-me com a conversa, e arranjo forma de regressar para a companhia dos meus vizinhos de viagem.

A noite já vai relativamente avançada. Serão talvez umas duas da manhã. Acabo por me enfiar no saco cama e deixo-me dormir. Quando passado cinco horas acordo, os meus vizinhos já partiram. Vejo o outro casal, mais recatado, agora que passaram os efeitos da bebida. Sorrimos. Dormi relativamente pouco, mas muito bem. O sol já se prepara para um novo dia. Em breve chegaremos a Odessa. Está a acabar a viagem que foi, por si, um dos momentos mais altos de quase duas semanas na Ucrânia. É isto o verdadeiro sumo de viajar, estes momentos… momentos.

Artigo do blog Cruzamundos. Mais textos em http://www.cruzamundos.com/



Login to post comments
Geocaching Authorized Developer

Powered by the Geocaching API..
Made possible through the support of Geocaching Premium Memberships, the API program gives third-party developers the opportunity to work with Geocaching HQ on a full suite of integrated products and services for the community. API developer applications are designed to work with the core services of geocaching.com and provide additional features to the geocaching community.

Geocaching Cache Type Icons © Groundspeak, Inc.
DBA Geocaching HQ.
All rights reserved. Used with permission.

Connect

Сыграйте на покердом. Вы сможете тут победить. Это точно...

Newsletter