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23 March 2016 Written by  Ricardo Ribeiro

Locais Mágicos: O Mercado Flutuante de Can Tho

Um mercado flutuante não poderá deixar mexer com o imaginário de qualquer um. Que pictoresco será! Que único, que diferente! O problema é que muita gente pensa assim e os mercados mais acessíveis foram-se enchendo de forasteiros, alterando lentamente os comportamentos locais e o carácter genuíno destes locais tradicionais de comércio.

Quando preparava a viagem pela Indochina passou-me pela vista uma referência aos mercados flutuantes de Can Tho, uma pequena cidade no sul do Vietname, na região do delta do Mekong. Investiguei, gostei das informações recolhidas, foi o suficiente para incluir estas paragens no roteiro que então se encontrava em preparação.

Encontrei um website propondo passeios pelos mercados flutuantes, que não cheguei a usar como se verá mais à frente. O preço era de USD 38 por um passeio numa embarcação privada. Ora sucede que a minha anfitriã local tinha os seus conhecimentos e foi logo dizendo que arranjaria algo bem melhor… e se assim o disse melhor o fez.

Acordámos meio estremunhados a meio da noite. Estes passeios iniciam-se ainda antes do sol nascer, é assim que funcionam os mercados, começam logo cedinho e ainda haveriam uns quilómetros a ultrapassar. A pobre da nossa amiga chamou-nos um táxi, deu instruções ao condutor, montou-se na sua motorizada e quando lá chegámos já lá estava, a postos para nos apresentar à nossa barqueira para o dia. Era uma senhora com uma certa idade, talvez não tanta como parecia, mas a profunda corcunda envelhecia-a.

Despedimos da Tran, ficámos entregues à senhora. E lá fomos, noite cerrada, com o sol a começar a despontar pouco depois. Navegámos pelo Mekong e como já não vou para novo tenho a guerra do Vietname muito presente no meu imaginário, feito de filmes como Apocalypse Now e Platoon. E estava ali e ligava o que sempre tinha visto na tela com a realidade que me rodeava. Pouco terá mudado. As embarcações que usam o rio como se fosse uma rede de estradas, um mundo por si.

 

Ao longe via-se o bulício do mercado, um enxame de barcos que enchiam o horizonte. Para trás tinha ficado uma agradável viagem durante a qual me deleitei com sucessivos instantâneos da vida local. A mulher que lavava as suas roupas nas águas do rio, os cafés e lojas gerais em barcaças atracadas,  o homem que elegantemente se deslocava de bicicleta numa estrada paralela. Mas tudo isso foi esquecido com a entrada no mercado.

Aquilo são sobretudo agricultores estabelecidos em locais remotos, cuja única ligação com o mundo exterior é o rio e os seus afluentes e que se reúnem aqui para vender o produto das suas colheitas a lojistas, revendedores e a quem mais os quiser adquirir. No topo de uma estaca, bem alta, há uma amostra do que têm disponível, para que os potenciais interessados saibam onde procurar o que desejam.

Naquele mar de embarcações há-as maiores, que vendem, carregadas, e as menores, que andam a ver o podem adquirir. E depois há as de suporte. A mais maravilhosa que vi foi a de um vendedor de lotarias que por ali andava a vender as suas taludas. Como podem imaginar tudo isto é um espectáculo, cheio de vida, de detalhes e de cor.

 

De forma gentil a nossa barqueira fez duas passagens pelo interior do mercado, navegando muito devagar, dando tempo para as mil fotografias que queria fazer, para a contemplação de todos os detalhes. E depois, saiu, ligou o motor e voltámos a descer o rio. A comunicação era quase nula, limitada a gestos, de forma que tudo neste dia foi uma surpresa. Navegando pelo corpo principal do Mekong chegámos a um ponto onde um outro curso de água se lhe juntava e fomos por ai. Mais à frente, um outro mercado, bem mais pequeno mas não menos interessante. Seria o ponto mais longe a que chegaríamos. Parámos por um bom bocado, marcando o momento. Havia ali mais embarcações com estrangeiros, era uma espécie de porto de descanso. E por fim ela decidiu que estava na hora de iniciar o retorno.

Mas aquele regresso foi tão ou mais interessante que a vinda. Em vez de simplesmente conduzir o barco pelos mesmos locais, levou-nos por braços e canais paralelos, submergindo-nos na selva vietnamita, passando junto a pequenas habitações, dando-nos uma rara perspectiva da vida local. Em determinado momento convidou-nos a sair e a fazermos um pedaço a pé, mais uma variante num dia já tão cheio. Caminhámos por um trilho  entre arrozais, palmeiras e coqueiros, passámos junto a algumas casas, e reencontrámos a nossa barqueira mais à frente.

Logo regressámos ao caudal principal do Mekong. Senti um toque nas costas. A senhora tinha-nos preparado dois ananazes, descascando-os e dando-lhes cortes de forma a que pedaços pudessem ser facilmente destacáveis do corpo da fruta. Sim, tinha-a vestido comprar isto logo no primeiro mercado que encontrámos mas pensei que seriam para a sua casa. Afinal não, era uma prenda inesperada, e que bem vinda foi!

O dia já ia longo. Umas seis horas a bordo. Cansativo. Já aguardo com expectativa o regresso a Can Tho. Foi uma experiência única, um dos pontos altos das quatro semanas pela região. Tudo graças à querida Tran e a esta senhora gentil e profissional cujo nome nunca soube. À chegada dei-lhe os USD 20 combinados (sim, metade do que é habitualmente pedido aos turistas!) e mais 5, que lhe fizeram abrir um enorme sorriso, não só nos lábios mas sobretudo nos olhos. A nossa amiga tinha-nos dito que uma gratificação extra seria adequada no caso de um serviço de extraordinária qualidade e foi mesmo isso que nos foi proporcionado.

 

Para viver um momento único como este, deverá viajar até ao Vietname. Poderá encontrar os voos mais baratos para o Vietname na Rumbo.pt. Depois, chegar a Can Tho é fácil. Assumindo que partirá de Ho Chi Minh (ou Saigão, conforme quiser chamar-lhe) existem inúmeros autocarros de qualidade, diretos, com um preço muito razoável.


Artigo do blog Cruzamundos. Mais textos em http://www.cruzamundos.com/



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